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Sociedade
. E as folhas verdes, tão pálidas, no topo das árvores, em pleno inverno,
lutavam desesperadamente contra a vontade de se deixarem ser levadas pelo
vento, resistiam, sabiam que o outono as esperava, mesmo que suas forças se
esvaíssem, como o sangue negro pela calçada o fazia para dentro de grandes
sulcos que se punham em seu caminho. O céu já
estava branco e tornava aquele cenário embaçado mais sombrio ao contrastar com
as negras lágrimas que escorriam por aqueles caminhos. Caminhos estes onde vagavam mortos-vivos, obcecados em sí
mesmos e em seus pedaços, que por vezes ficavam para trás, misturando-se aos
detritos que se acumulavam do passado.. Passado este, não muito diferente. Eram os mesmos mortos-vivos, pelos mesmos caminhos sem sentido, que vagavam à procura de um pedaço esquecido. Não lembravam-se mais pelo que procuravam, mas insistiam em sua infinda busca.
. E para as folhas o tempo ia passando, mas o outono não chegava, as mesmas correntes gélidas perpassavam por elas, e sua luta era cada vez mais desgastante. Não sabiam por quanto tempo ainda aguentariam aqueles tormentos, sem poder simplismente desistirem e murcharem, caindo secas e esquecidas, tornando-se então mais um resquício a se juntar à toda a lama que formou-se na calçada agora invisível.
. Não sabiam por que ao certo resistiam, sem forças ou vontade de continuarem atadas aos galhos já secos. Algo ainda as mantinha ali.
. O vento por sua vez, se esfriava mais e mais, percorrendo as árvores sem cor que encontravam-se em seu caminho. Mas ia em frente, nada o detinha, seu objetivo o clamava, e ele se direcionada para o mesmo, sem saber porém do que se tratava.
. Tantas vezes levado por entre teatros escuros, onde mímicos brancos, eternos fantasmas, se contentavam em viver nas sombras. Tantas vezes percorrera salas ainda aquecidas pelo calor do fogo que a pouco as tinha incendiado. Tantos lugares desprezíveis por onde passava, esperava encontrar no fim um quarto morno, onde o sol entrasse pela janela, onde o aroma dos jardins tivesse aos poucos se concentrado, e a vida então proliferasse. Mas esse lugar nunca chegou. Era sempre a mesma paisagem pálida, os mesmos mortos-vivos, o mesmo sangue negro escorrendo infindo por seu caminho de detritos.
. Ninguém sabia até quando duraria aquela cena, e todos desejavam que o ato seguinte iniciasse, deixando nas memórias aquele primeiro por tanto tempo vivenciado.
. Alguns mortos-vivos às vezes se recordavam vagamente das flores que um dia viram, mas então caiam novamente na podridão em que viviam, até que as saudades longíquas, cada vez menos frequentes, despertavam neles a vontade de voltar. . Mas voltar como? Para onde? Não se lembravam. As lembraças haviam desaparecido, junto a alguns membros por eles esquecidos em seus caminhos turbulentos, e a cada passo se percebiam menos densos.
. Onde no passado seria aquele lugar onde foram vistas flores? Como encontrá-las? Seria tarde? Eu não sabia. Não sabia nem ao certo o que eu me tornara. Era folha? Vento? Escuridão? Será que tinha eu me tornado um daqueles mortos-vivos? Ou já sou puro detrito deles misturado a sangue? Não sei ao certo.
. Acho que sou tudo isso. Sim. Pertenço a eles. São parte de mim. Minhas lembranças esquecidas que não pretendo recuperar.
. Sigo em frente, sem me lembrar...
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